Quando a empreendedora Laila Barbosa Martins vai a uma reunião com clientes, em sua maioria homens, sente que precisa se reafirmar o tempo todo para se “nivelar” a eles. Laila e sua sócia, Alaíde Barbosa, estão à frente da startup de educação Saber em Rede, e são minoria em um mercado marcado pela inovação e pelo uso de tecnologia.
De acordo com a Associação Brasileira de Startups (ABStartups), as mulheres representam apenas 15,7% entre os fundadores. Mas, por outro lado, Laila, que também é advogada, aponta um cenário muito positivo no ecossistema de startups. “Como existem poucas mulheres empreendendo em startups, eu e minha sócia ganhamos destaque, somos bem vistas. Mas sabemos que, nesse meio, as questões de equidade de gênero estão sempre em análise. Há uma preocupação em reconhecer as falhas do mercado tradicional e corrigi-las. No entanto, nossos clientes não estão nas startups, mas no setor de educação”, diz, ressaltando essa particularidade.
Na avaliação da gestora de projetos do Sebrae-SP Mariana Rossatti Molina, o empreendedorismo feminino em tecnologia e inovação tem muito potencial para aumentar essa representatividade e superar os desafios que se traduzem em números ainda tímidos. Em comparação com a taxa de empreendedorismo feminino geral, que é de 32,6%, segundo a pesquisa do Sebrae “Anuário das Mulheres”, a taxa nas startups é baixa. Quando se trata do programa Startup SP do Sebrae-SP, nos últimos dois anos, a representatividade feminina foi de 28% entre os fundadores participantes na cidade de São Paulo.
Mariana é gestora do Startup SP em Ribeirão Preto e cita programas de capacitação e de aceleração exclusivos para mulheres, como o Women Entrepreneurship (WE), além da divulgação de grandes cases de mulheres empreendedoras e líderes na área de tecnologia, startups e investimento, como ações para atrair mulheres para a área e quebrar preconceitos. “Acredito no apoio mútuo, na união e no empoderamento para aumentar a representatividade feminina no ecossistema”, afirma.
A gestora vê uma mudança de cultura em direção à maior igualdade de gênero em todos os sentidos. “Toda mudança de cultura é um processo lento, mas que podemos acelerar. A maior parte dos desafios que as empreendedoras enfrentam são culturais, como o preconceito de que a área de tecnologia é para homens, a falta de confiança e até mesmo o fato de os investidores serem em grande parte homens”, afirma.
A dupla jornada por conta de divisão de tarefas familiares não igualitária também é apontada como um desafio pela gestora do Sebrae-SP. No setor de tecnologia, essa situação é agravada. “Vejo o depoimento de empreendedoras que dizem que o próprio cliente ou investidor, ao serem atendidos por uma mulher, perguntam quem é o responsável. Vejo os eventos de tecnologia com pouca participação das mulheres. Bancas de avaliação de startups apenas com homens. Perguntas de investidores sobre como a mulher irá lidar com a empresa e a família ao mesmo tempo.
Existe uma falta de confiança no conhecimento técnico da mulher”, relata. A sócia de Laila, Alaíde, sente na pele essa dificuldade na área de tecnologia. Para ela, além de coragem, é necessário esforço extra para conquistar um currículo que inspire confiança nesse meio. “Nós somos mais cobradas e precisamos desenvolver habilidades que nem sempre foram possibilitadas. Afinal, culturalmente falando, os garotos são mais incentivados às áreas de robótica, tecnologia, computação e engenharia. Quando uma mulher se destaca, é fundamental reconhecer a sua trajetória e daquelas que estão ao seu redor”, afirma.
Laila e Alaíde desenharam a startup em conjunto, cada uma dentro da sua especialidade. A Saber em Rede é uma plataforma de social commerce de serviços educacionais que cria uma rede de pessoas para venda de vagas ociosas em instituições de ensino. No fim do ano passado, elas receberam uma rodada de investimento de R$ 2 milhões e estão na fase de expansão e consolidação do mercado.
EQUIPE FEMININA
Com um time formado apenas por mulheres, o Boletão é uma solução de crédito para pagamento de boletos bancários e oferece também a unificação de pagamento, em que é possível unir todos os boletos do usuário em um só e em uma única data. A startup tem como sócias Ariane Tamara Pelicioli da Rosa, Aline Santiago Ferreira e Fernanda Zerbin. “Temos o objetivo de empoderar cada vez mais as mulheres no empreendedorismo e por isso nos unimos. É muito difícil encontrar mulheres na tecnologia, por exemplo, e desde a criação do Boletão nosso objetivo foi trazer mulheres para o time”, destaca Ariane.
O trio se conheceu no meio das startups. “Nós nos unimos pois identificamos que cada uma poderia contribuir e complementar áreas diferentes e importantes para o negócio”, diz Ariane, responsável pela parte de negócios. Aline é designer e Fernanda cuida da área de tecnologia. A ideia do Boletão surgiu durante uma fase de transição de Ariane. Na época, ela e o marido iniciavam as operações de outra startup, estavam vendendo uma loja e de mudança de cidade. O pagamento dos boletos mensais era uma dificuldade porque o fluxo de caixa era apertado, o casal não tinha renda fixa e existia um grande descompasso de datas entre as entradas e saídas, além da necessidade de ir para outra cidade pagar os boletos nos bancos e lotéricas. “Estudando o mercado, percebi que não é somente uma dor minha, isso atinge inúmeros brasileiros. Compartilhei a ideia com minhas atuais sócias e começamos o negócio”, relata Ariane. Elas lançaram a versão beta e preparam o lançamento da versão completa para o primeiro semestre.
Também com uma mulher no comando, a startup Trio GroupMe é uma plataforma que faz a integração de pessoas em um mesmo roteiro de viagens, formando uma rede de viajantes de diversas nacionalidades para se conhecerem experimentando o mundo, conectando pessoas àqueles que organizam momentos únicos.
Diante da mudança do comportamento de compra do consumidor, a fundadora, Luciana Trigo, teve a ideia de criar a plataforma como alternativa ao modelo de negócio de agência de viagens tradicional. Com o produto validado, a empreendedora está na fase de encontrar parceiros para o desenvolvimento da tecnologia e partir para a operação. “Ser mulher é realmente ser ‘mulher- polvo’. Acredito que a habilidade da mulher em conseguir fazer duas, três coisas ao mesmo tempo é um grande diferencial. O cérebro pensa diferente, consegue ver o agora, o futuro e o que está acontecendo no entorno, ajusta tudo e faz acontecer”, opina.