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Como faturar com o mercado geek

Licenciamento de marcas e personagens famosos dos games, TV e quadrinhos aproxima consumidor das empresas que apostam nessa estratégia
Por Ana Carolina Nunes
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Em sua edição mais recente, em dezembro de 2019, o CCXP, maior festival de cultura geek do mundo segundo seus organizadores, reuniu um público de 280 mil pessoas ao longo de quatro dias de evento em São Paulo, com ingressos que não saem por menos de R$ 90 por dia.

Em 2014, o mesmo evento havia reunido 97 mil pessoas. Geek são as pessoas ligadas a tecnologia, games e personagens do mundo pop. O aumento do público da feira indica o quanto o universo do entretenimento tem crescido como mercado. Jogos, séries, filmes, animações e quadrinhos vão além dos seus formatos e se expandem por roupas, acessórios, objetos domésticos, papelaria, comidas, bebidas, brinquedos, itens de higiene, cosméticos e o que mais a criatividade permitir.

Além de caprichar na criatividade, o empreendedor interessado em investir no universo pop como negócio precisa fazer um processo de licenciamento de marca e dos personagens que pretende explorar. Em 2019, o segmento de licenciamento faturou R$ 20 bilhões no País, valor 6% maior que no ano anterior, mantendo a média de crescimento registrada nos seis anos anteriores, de 4% a 6%, conforme relatório da Associação Brasileira de Licenciamento de Marcas e Personagens (Abral). O Brasil é o sexto maior faturamento quando se fala em licenciamento, atrás de Estados Unidos, Japão, Inglaterra, México e Canadá.

 

“Existe a demanda e também oportunidades com infinitas possibilidades, até mesmo fora das grandes marcas e personagens. Há uma demanda reprimida que vai além dos grandes sucessos, especialmente no nicho de games”, avalia Felipe Rossetti, fundador, ao lado do irmão Rafael, da Piticas, marca especializada em produtos que exploram o universo pop. A Piticas nasceu em 2010, depois que os irmãos voltaram de uma temporada de estudos nos Estados Unidos e identificaram que a temática pop não era explorada no Brasil. A empresa encerrou 2019 com faturamento de R$ 230 milhões – o dobro do registrado em 2017 – e 452 lojas nos formatos quiosque, lojade rua e loja em shopping, sendo 225 franqueados. A marca continua concentrando seus negócios no modelo de franquias e projeta chegar a 600 unidades até o fim deste ano.

COM LICENÇA 

Para quem deseja empreender no setor, é importante ter em mente que o processo de licenciamento requer investimento financeiro e de tempo. Muitos empreendedores acabam usando personagens por conta própria em seus produtos sem o devido licenciamento. Isso pode render apreensão da mercadoria, acarretando em perdas e danos, e uma notificação judicial.

Marici Ferreira, presidente da Abral, explica que as marcas exigem um plano de negócio do empresário que pretende usar seus personagens em seus produtos ou serviços. Baseado nesse plano de negócios, é estipulado também um porcentual de adiantamento de valores a serem pagos à marca. Além disso, há o pagamento de royalties, que pode começar em 2% (em geral para alimentos) e chegar a até 15%. Em geral, a média é de 8% a 10%, dependendo do tipo do produto e da quantidade estimada de venda.  

As marcas também vão avaliar se o produto ou serviço que se quer explorar estão alinhadas ao personagem ou ao nome a ser licenciado. Elas também fazem um levantamento sobre a empresa solicitante, como idoneidade, atuação – se nacional, regional ou nos grandes centros –, reputação no mercado e saúde financeira. “A empresa precisa estar com tudo em ordem, mostrar que tem capacidade de produção e de que está preparada para o aporte. A grande dificuldade entre as MPEs é de não ter um planejamento de longo prazo, nem de vendas, nem financeiro”, afirma Marici.

A executiva destaca que sai na frente quem tiver uma empresa organizada, mas, mais do que isso, vai se destacar aquela que mais pesquisar e buscar se diferenciar. “Pesquise o que já existe, tente encontrar um nicho. Se for algo infantil, pode testar com as crianças do seu convívio. Investigue bem o material, o custo e, também importante, a sustentabilidade”, sugere.

A criatividade vai pesar muito, já que todas as marcas possuem um “style guide” (guia de estilo, em tradução literal), que funciona como um “manual” de como usar a comunicação visual daquele personagem, o que pode ou deve ser feito na aplicação da arte. “Entenda o produto, tenha cuidado com a adequação dele ao personagem, ande pelo varejo, vá para a rua, pesquise. O empreendedor que se preparar e tiver criatividade e qualidade, tem 90% de chance de ter sucesso”, orienta Marici. Segundo ela, o processo de licenciamento dura em média seis meses da proposta até colocar o produto no mercado, passando por uma versão piloto daquele item. Os contratos costumam ter uma duração de dois anos, que em geral são renovados se a parceria vai bem. Mas é possível fazer o licenciamento para uso pontual de um personagem, como para uma campanha de marketing.

Por causa do processo longo e burocrático, o consultor do Sebrae-SP Emerson Neves recomenda que o empreendedor tenha assessoria jurídica na negociação. Uma forma de facilitar esse caminho, de acordo com o consultor, seria atuar com licenciamento por meio de franquia. Essa foi a opção do empresário Alexandre Souza, que possui duas franquias na área da educação. Uma delas é a Pingu’s English School, escola de inglês para crianças de dois a 10 anos. Pingu é um personagem de desenho infantil suíço-britânico criado nos anos 1990. Os episódios contam as aventuras do pinguim do título com amigos e família no Polo Sul.

Souza abriu a primeira unidade em 2017 no bairro de Santo Amaro, em São Paulo, e tem visto o faturamento crescer 20% ao ano desde então. “Contar com um personagem reconhecido pelos nossos pais e alunos certamente contribui muito para esse crescimento”, avalia. Ele reforça o discurso de que é preciso ter afinidade entre o personagem ou tema escolhido com o produto ou serviço em que ele será aplicado. “Analise se o licenciamento tem aderência ao negócio. Precisa fazer sentido. Quais valores o personagem e a marca que você está licenciando transmitem?”, diz. O empreendedor avalia que é uma vantagem trabalhar com um personagem, já que o negócio ganha curiosidade e simpatia “quase imediata” dos fãs do desenho, como ele diz, além do reforço de exposição de marca sempre que o desenho é transmitido. Para 2020, Alexandre projeta um faturamento 30% maior, impulsionado pelas operações chamadas “in school”, em parceria com escolas de educação infantil.

Uma alternativa para o empreendedor que chegar à conclusão de que os custos do licenciamento são maiores que suas possibilidades, é buscar temas entre criações, seja nas artes ou na literatura, que já tenham entrado em domínio público, afirma Neves, do Sebrae-SP. Domínio público é a condição jurídica em que não há mais detentor de direito autoral da obra, ou seja, ela é livre para ser utilizada por qualquer pessoa. No Brasil, uma criação entra em domínio púbico após 70 anos da morte do autor. Outra questão importante para quem deseja registrar uma marca ou personagem é a necessidade de fazer o registro de marcas e patentes no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi). 

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