Os mais de dois anos de restrições provocadas pela pandemia de Covid-19 foram especialmente prejudiciais para aquelas empresas que dependem de circulação de público, como bares, restaurantes, casas de shows, hotéis etc, mas, agora, a última edição da pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM) mostra que os pequenos negócios que estavam há menos tempo no mercado também sofreram mais. Os empreendedores iniciais – isto é, aqueles com até três anos e meio no mercado ou que tomaram medidas para empreender em até um ano – caíram de 21,2% (2020) para 19,2% (2021) da população adulta do Estado de São Paulo. Por outro lado, o empreendedorismo estabelecido, aquele com mais de três anos e meio em atividade, passou de 10% em 2020 para 12,4% em 2021, puxando o aumento do empreendedorismo total no Estado, que hoje é de 31,4%.
Um fator que pode explicar o aumento, ainda que discreto, do número de empreendedores estabelecidos é que eles investiram mais em capacitação – os números do Sebrae-SP mostram que a procura por atendimento cresceu 49% em 2021 em comparação ao ano anterior – e também em digitalização. A pesquisa GEM aponta que 40,4% dos empreendimentos estabelecidos, 48,9% dos nascentes e 33,6% dos novos buscaram implantar tecnologias digitais com mais rapidez ou passaram a fazer uso delas no período. Os nascentes são os que existem há no máximo três meses ou que realizaram ações para empreender no horizonte de um ano. Os novos são os negócios entre três meses e três anos e meio de existência. Ambos compõem os empreendimentos iniciais.
O consultor do Sebrae-SP Felipe Chiconato vai buscar no naturalista inglês Charles Darwin (1809-82), que propôs a Teoria da Evolução, a explicação para o fato de que muitas empresas não só conseguiram se manter de portas abertas durante a pandemia como também conseguiram registrar crescimento e novas frentes de negócios. Quem primeiro se adaptou, ele diz, conseguiu dominar uma fatia maior do mercado. “Os empreendedores que cresceram durante a pandemia foram aqueles que se adaptaram, que conseguiram fazer uma leitura do contexto em que estavam e que aproveitaram as oportunidades que estavam presentes”, afirma.
TUDO NA PLANILHA
Esse foi o caso do empreendedor Leandro Dias, proprietário do restaurante La Paella, no bairro do Campo Belo, em São Paulo. Com a experiência de ter passado por uma crise anterior no seu negócio por falta de conhecimento, ele buscou analisar o cenário com a chegada da pandemia e fez as adaptações que a situação indicava. Dias conta que a casa está aberta desde 2013, mas começou a “pegar” mesmo no ano seguinte. Apesar do grande movimento do restaurante, no entanto, o dinheiro não entrava e ele vivia com a situação financeira no fio da navalha.
“O dinheiro ia embora muito rápido, estávamos vivendo do giro do dia a dia. Eram muitos problemas, nenhum controle dos funcionários, não entendia de precificação. Nossos preços eram extremamente baixos. A gente trabalhava muito e o dinheiro não aparecia”, conta Dias. A situação começou a mudar quando ele conheceu um contador que fez uma análise a fundo da empresa. “Hoje eu vejo o quanto o negócio de restaurante é difícil, é muito complexo”, diz.
Foi nesse período que ele também buscou orientação no Sebrae-SP para conhecer de fato seu negócio e seu próprio entendimento como empreendedor. Justamente quando as coisas pareciam estar entrando nos eixos, uma crise ainda mais grave surgiu. “Quando a pandemia chegou, o restaurante estava ajeitado e eu estava trabalhando muito com eventos; foi um desespero total, porque eu não entendia o que ia acontecer. Como assim fechar o restaurante?, lembra.
O primeiro passo foi colocar tudo em planilhas: desde o valor das embalagens para delivery até a margem do aplicativo de entrega. Além disso, o empreendedor precisou levar em conta que, como o restaurante está instalado em um bairro residencial, o almoço era de pouco movimento. Por isso, ele decidiu criar um “novo” restaurante funcionando dentro do principal, voltado para delivery de comidas do dia a dia – afinal, a paella é um prato para ocasiões especiais, para reunir a família e amigos etc. “Antes, eu fazia cerca de 15 deliveries por dia, e na pandemia cheguei a fazer 80 para compensar a margem. No salão, as pessoas comem entrada, pedem vinho, sobremesa”, explica Dias.
Ele também criou muitas estratégias digitais para chegar aos clientes, como um mailing de WhatsApp para onde ele mandava novidades do cardápio e ouvia demandas. Para ocupar melhor o tempo de seus funcionários, garçons passaram a fazer entrega e a ir ao mercado. E, com a diminuição das restrições nos últimos meses, veio a maior aposta: a inauguração de um bar de vinhos e jazz vizinho ao restaurante, um antigo sonho do empreendedor. Além disso, ele também está com um pequeno espaço na Vila Olímpia com comida espanhola. “Hoje tenho mais concorrência, principalmente com as dark kitchens (cozinhas voltadas apenas para o delivery), mas meu plano agora é organizar minhas finanças nas três unidades, porque ainda tenho dívidas, e investir mais na música”, conta Dias.
Para Felipe Chiconato, do Sebrae-SP, Dias foi capaz de fazer a leitura adequada do momento, entendeu o que os clientes estavam buscando, mudou o cardápio e investiu no delivery. “O que eu recomendo para quem está com dificuldade é dar dois passos para trás, olhar para o negócio, entender o que ele tem de bom, o que tem de fraqueza, e como pode aproveitar as oportunidades”, diz. Ele cita, por exemplo, utilizar a metodologia 5W2H (checklist administrativo) para desenhar um plano de ação. Além disso, tudo dentro da empresa precisa ser baseado em metas e indicadores. “Indico sempre buscar os consultores do Sebrae-SP para pedir ajuda, porque realmente é difícil enxergar quando você está no olho do furacão”, afirma.
Sobre a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM) São Paulo 2021:
Amostra de 2 mil pessoas entre 18 e 64 anos do Estado de São Paulo. O levantamento foi feito de julho a outubro de 2021. No Estado a pesquisa foi realizada pelo Sebrae-SP e pelo Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade (IBQP). O projeto GEM é coordenado por um consórcio internacional, com a liderança da Babson College (EUA). Além de São Paulo, em 2021 a pesquisa foi realizada em 47 países.