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Com criatividade e gestão organizada, empreendedores conseguem fazer diferente durante a crise

Conheça a história de quatro empresários que tiveram de colocar em prática, sem aviso prévio, um novo jeito de existir no mercado
Por Ana Carolina Fereira Nunes
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A epidemia do novo coronavírus tem colocado muitos pequenos negócios à prova. Uma pesquisa feita pelo Sebrae no final de março apontou que 89% dos das micro e pequenas empresas tiveram queda no faturamento logo nos primeiros dias de restrições das atividades comerciais.

Mas em meio às preocupações e incertezas que a crise de saúde pública trouxe aos negócios ao tirar os consumidores das ruas como forma de contenção da disseminação da doença, alguns empreendedores conseguiram repensar suas atividades e criar soluções para continuar vendendo mesmo estando fisicamente longe dos clientes.

O que todos eles têm em comum é criatividade e iniciativa. “Muita gente fica parado, vendo a situação se normalizar, esperando os boletos chegarem, mas o que diferencia qualquer empresário em qualquer momento é fazer a venda ativa, independente de crise”, diz Fernanda Bueno, consultora do Sebrae-SP.

O momento está exigindo dos empreendedores não apenas proatividade, mas saber se reinventar e inovar. A inovação não significa necessariamente investimento em tecnologia, pode ser uma inovação em um processo, na forma de vender ou até de se comunicar com o cliente. O que não pode, reforça a consultora, é esperar a solução “cair do céu”.

Com o isolamento dos consumidores e a impossibilidade de saírem às compras, o caminho dos empreendedores tem sido chegar até o cliente pela venda online, seja pela via que for. Para Juliana Berbert, também consultora do Sebrae-SP, a crise antecipou uma realidade, que é a transformação digital das empresas e a demanda do consumidor por canais de compra online cada vez mais acentuada, principalmente entre os mais jovens. “Quem ainda não tinha se adaptado a essa mudança terá de ter uma resposta ágil neste momento. E quando a transformação não é planejada, ela acontece assim, fazendo e aprendendo”, diz.

A tendência é de que o hábito de comprar a distância se mantenha mesmo com a reabertura do comércio físico. Nesse período de isolamento, o consumidor está se acostumando com a praticidade e a comodidade da compra online – mesmo entre aqueles que eram mais resistentes a esse modelo. “Isso vai mudar muito a cara dos negócios daqui para frente”, avalia Juliana.

A seguir, o Jornal de Negócios conta a história de quatro empreendedores, de diferentes áreas, que tiveram de colocar em prática, sem aviso prévio, um novo jeito de existir no mercado.

UMA NOVA ROUPAGEM

Analytics, SEO, Google Ads, hashtags, newsletter. Palavras que são bastante comuns quando se fala em marketing digital, mas que não faziam parte da rotina do empreendedor Matheus Muniz. Arquiteto de formação, ele sempre atuou nos negócios da família: uma fábrica que produz cerca de 8 mil peças mensais para três lojas de roupas femininas que vendem por atacado.

Com a crise causada pela pandemia do novo coronavírus, Muniz se viu obrigado a mergulhar nos conceitos e estratégias de marketing digital para manter os negócios ativos – agora no e-commerce criado no ano passado, mas que praticamente não tinha operação.

O investimento no marketing digital foi fundamental para divulgar o novo endereço da marca, a Slave Wave, que até então, tinha portas abertas nos dois principais centros de compras de vestuário na região central de São Paulo, Brás e Bom Retiro. “Montei o e-commerce em outubro, me preparando para em algum momento começar a vender online também”, conta. E esse momento chegou: muito antes do planejado e de maneira abrupta.

Com o fechamento do comércio de rua, Muniz também precisou fazer alterações para vender online, começando pela equipe do balcão, que passou a vender pelo WhatsApp. Além do novo canal de vendas, as vendedoras tiveram de adaptar também sua memória. “Elas vendiam peças pensando no estoque que elas lembravam da loja, mas não tínhamos mais aquela opção de cor ou tamanho, foi preciso treiná-las para um novo modelo mental de estoque, que agora está centralizado”, relata.

Até porque a fábrica enxugou seu mix de peças de vestuário para, além de facilitar a operação, poder incluir na linha de produção a confecção de máscaras de tecido e uniformes, que têm abastecido mercados de bairro e motéis.

Com a “mudança” das lojas para o endereço virtual, foi preciso rever outros detalhes da operação. Além de mais assertividade na comunicação na internet e impulsionamento de posts nas redes sociais, a Slave Wave reduziu os preços para atacado, passou a vender no varejo, aumentou possibilidade de parcelamento, caprichou na descrição das peças – fator fundamental nas vendas online – e se dedicou mais ao pós-venda.

As ações estão valendo a pena. O site, que até então era mais “um catálogo básico online do que um e-commerce”, como o próprio Muniz define, agora responde por praticamente o mesmo faturamento médio das lojas físicas.“Sabemos que roupa não é prioridade neste momento, mas temos que nos adaptar. As pessoas estão trabalhando em casa, então passei a usar imagens nesse contexto”, conta.

O empresário avalia que o consumo vai diminuir, mas acredita que terá clientes mais fiéis após a crise. “Estamos estreitando nossa relação com os clientes e ganhando novas frentes de ação no comércio online, lojas de outros Estados estão nos descobrindo”. Com os resultados positivos, Muniz já revê seu modelo de negócio para a retomada. “Mesmo com a reabertura, vou manter a agressividade das ações e promoções do e-commerce.”

UMA BELEZA DE GESTÃO

Debruçar-se sobre o fluxo de caixa foi a primeira atitude da profissional de beleza Tássia Morais quando precisou fechar as portas do seu salão, o Toque Finnal, na zona sul de São Paulo, por causa da crise do novo coronavírus.

Com uma atividade que depende basicamente de contato próximo com as clientes, Tássia precisou de muita dedicação à gestão e muita criatividade para não entrar no vermelho. O salão, com seis anos de atividades, havia acabado de passar por uma reforma, que consumiu boa parte da reserva financeira do negócio e ainda deixou parcelas da compra de material de construção.

Assim que desmarcou as clientes agendadas, Tássia fez uma provisão de fluxo de caixa até dezembro, considerando um cenário otimista (15 dias fechado), um realista (um mês fechado) e um pessimista (três meses fechado). Assim, ela pôde ter uma visão real do tamanho do impacto da crise em seus negócios. “Nunca tinha feito um fluxo de caixa tão bom como fiz agora, faz muita diferença ter isso na ponta do lápis, até para saber se preciso de crédito e quanto preciso. Eu me sinto outra empreendedora”, diz.

Com essas informações em mãos, procurou três instituições para pesquisar linha de crédito e encontrou a melhor opção na Desenvolve SP, agência de fomento do governo paulista. Além disso, negociou o aluguel com o proprietário: 50% do valor de abril e isenção dos pagamentos de maio e junho. A partir de julho, o montante que não foi pago será diluído nos alugueis mensais até o fim do ano.

Tássia aproveitou também para fazer pesquisa com as clientes, tanto as mais próximas como aquelas com as quais já tinha perdido o contato. Foi a partir dessas conversas que ela criou “combos” com serviços para serem utilizados até o fim do ano que atendem às demandas das clientes e ainda envolvem as diferentes profissionais do salão: cabeleireira, manicure, depiladora e designer de sobrancelhas.

Os valores dos serviços não tiveram desconto, mas, para incentivar a compra, ela anunciou um sorteio entre as compradoras e também incluiu alguns serviços com pouca demanda, como um spa de unhas. “Estou usando a criatividade para sobreviver”, afirma.

Em paralelo, Tássia criou uma vaquinha virtual para arrecadar dinheiro para as quatro funcionárias comissionadas e afastou temporariamente uma funcionária contratada. Com as iniciativas, ela tem conseguido perto de 50% do faturamento médio do salão, mas que vão segurar as contas no azul, alinhadas ao crédito e à negociação do aluguel. “Eu não fico desesperada porque sei bem qual é a minha situação. Vou voltar diferente”, afirma. 

PENSANDO DENTRO DA CAIXA

Há pouco mais de seis meses, o publicitário Eduardo Mota havia inaugurado o Alegremente – Espaço de Brincar na cidade de Guarulhos, região metropolitana de São Paulo. O espaço tinha como proposta reunir crianças durante o contraturno da escola para brincar, explorando experiências e a memória afetiva.

O serviço funciona por compra de pacotes de horas para usar ao longo do mês e as crianças podem frequentar o espaço acompanhadas dos pais ou sozinhas a partir dos 3 anos de idade. “A ideia é criar o vínculo com as famílias, resgatando atividades antigas, usando muita textura, material visual, contação de história e oficina de música, como uma maneira também de fortalecer a inteligência emocional”, explica Mota.

Mas com a decretação da quarentena no Estado de São Paulo no final de março, Mota colocou toda a proposta do Alegremente dentro de uma caixa. Literalmente. Foi essa a solução que encontrou para manter o negócio operando. E, de quebra, consegue atender os pais que estão tendo de dividir o trabalho em casa com os cuidados com os filhos.

Como a ideia já existia antes, o lançamento da caixa de atividades para as crianças foi bastante rápido, com as primeiras vendas acontecendo ainda dentro do mês de março. No entanto, a concorrência também foi bem ágil e ele se deparou com sua ideia sendo replicada por outros, o que impactou em suas vendas.

Para se diferenciar, Mota passou a oferecer duas opções de caixa: uma para crianças entre 3 meses e 4 anos, com material que explora a coordenação motora e funciona como alternativa ao celular ou tablet para acalmar e ocupar as crianças; e outra destinada para crianças de até 10 anos, com brinquedos educativos e materiais como massinha, EVA, giz de cera, lápis de cor e tinta. Todas as caixas são acompanhadas de uma carta de apresentação e um roteiro sobre como usar para ser lido pelos pais em companhia das crianças.

Com as caixas, Mota tem conseguido manter em torno de 80% do faturamento médio mensal desde que começou a operar. Enquanto isso, os dois funcionários fixos do espaço foram afastados dentro das normas que permitem suspensão total ou parcial do contrato de trabalho por 60 dias com subsídios do governo. Ao mesmo tempo, ele estava tentando negociar o aluguel do imóvel onde funciona a empresa, entre outros cortes de custos fixos.

Uma dificuldade no meio desse processo foi estabelecer parcerias para rechear as caixas, como com uma loja de brinquedos que não quis vender no modelo consignado. “As pessoas são resistentes a se abrir, a inovar”, lamenta. Apenas uma loja de roupas infantis topou ser parceria no novo produto, que, inclusive, deve continuar mesmo após a abertura das atividades como um novo braço do negócio.

Mota destaca três pontos importantes nesse processo de mudança.Em primeiro lugar, ter o cadastro atualizado dos quase 400 clientes que já passaram pelo espaço. Seu primeiro canal de divulgação foi pelo WhatsApp e, assim, ele conseguiu também aquela valiosa divulgação “boca a boca”. As redes sociais também foram exploradas para reforçar a propaganda e chegar a novos clientes.

Outro ponto foi fazer uma ação de pós-venda para receber um feedback sobre as caixas. Além de adequar seus kits, a ação apontou uma nova demanda: uma opção de caixa com atividades que as crianças possam fazer sozinhas, sem a companhia de um adulto.

E, finalmente, foi ter a gestão do negócio organizada, com planilhas atualizadas e mapeamento de todos os custos e recebimentos da empresa. “Muitos empreendedores dizem que não têm tempo para organizar planilhas, mas eu acho que a gente consegue dedicar tempo para aquilo que priorizamos e ter a gestão organizada deve ser uma prioridade”, afirma. 

PODER PARA O CLIENTE

Até mesmo quem trabalha com marketing digital precisou adaptar os negócios para enfrentar a crise causada pelo novo coronavírus. Fernando Vitolo é dono da agência Younik, aberta em 2013, que hoje atua com estratégia de marketing de conteúdo em vídeo para empresas, do planejamento ao monitoramento de resultados.

Com a impossibilidade de sair para reuniões e para gravar os vídeos por causa da quarentena, a solução encontrada por Vitolo foi ensinar seus clientes a produzir esse material, com um curso pago sobre a melhor maneira de usar o celular para gravar, orientando sobre luz e enquadramento, por exemplo, e sobre como explorar a plataforma YouTube, que tem registrado aumento de audiência com a crise.

“Os números subiram muito. Todos os meus clientes que já têm canal cresceram, tanto em número de inscritos como em visualizações”, diz. Os vídeos gravados pelos clientes também podem ser encaminhados para a equipe da agência continuar o trabalho de edição, pós-produção, montagem e divulgação, todos em home office.

Com os cursos, a Younik chegou a faturar 20% a mais no mês de abril do que na média mensal do último ano. Além disso, o plano da empresa para 2020 previa dez novos clientes e, mesmo em meio à crise, 30% da meta foi alcançada. “Vejo que os empreendedores mais desesperados são os que estão tendo menos resultados. É preciso pensar, respirar e, o mais importante, estar aberto à inovação”, diz.

Vitolo fez o curso Empretec e faz parte do ALI (Agente Local de Inovação), ambos do Sebrae, e prevê que a participação nesses projetos vai ajudar a criar novas soluções para seu negócio. “O ALI, por exemplo, tem ajudado a potencializar coisas que já vinha panejando. Claro, como em todas as crises, tudo é muito incerto. Mas o empreendedor tem que ter a flexibilidade de se adaptar ao ambiente em que está”, recomenda.

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  • empreendedorismo de inovação;