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Identificação é chave para programa de startups fundadas por pessoas negras

Pretos e pardos são apenas 25,1% das pessoas à frente de startups, mas iniciativas como o Black Start, do Sebrae-SP, ajudam a apontar novos caminhos
Por Gisele Tamamar
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“Eu sou a primeira geração da minha família que teve acesso ao ensino superior e quebrei o ciclo de ser um trabalhador doméstico. Eu tenho pessoas na minha família que dependem de mim e não é tão simples apostar tudo naquilo que você quer fazer no seu negócio.” Esse é o relato da empreendedora Nathália Arruda, fundadora do Corporativo para Pretos, que precisa conciliar o emprego fixo com a atuação na startup.

O caso da Nathália exemplifica um dos desafios dos empreendedores negros que lideram startups no País. De acordo com a pesquisa “Blackout: Mapa das Startups Negras 2021”, da plataforma BlackRocks Startups, sobre o perfil dos fundadores, 70,8% dos participantes se autodeclaram brancos, amarelos ou indígenas, grupo denominado na análise como não-negros. Vale pontuar que os amarelos e indígenas que compõem o grupo de não-negros somam juntos apenas 2,1% desse grupo. Já os que se autodeclaram pretos ou pardos somam 25,1% respondentes.

Segundo Nathália, assim como pessoas negras enfrentam dificuldades no mercado de trabalho, ela enfrenta desafios nos ambientes de inovação, principalmente na questão do acesso. “Acesso a networking, a investidores, a espaços. Não vemos tantos empreendedores negros nesses lugares e não me sinto acolhida”, conta. O cenário mudou após a participação da empreendedora no programa Black Start do Sebrae for Startups, iniciativa do Sebrae-SP de apoio a startups e ambientes de inovação.

“Participar do Black Start foi uma grata surpresa. Tive acesso a pessoas com o mesmo background, mesmos desafios, são empreendedores pretos que veem pessoas pretas como consumidores”, destaca Nathália, que criou o Corporativo para Pretos como uma resposta ao sentimento de solidão no mercado corporativo. Trata-se de uma iniciativa que dá visibilidade e desenvolve talentos pretos para cargos de alta senioridade e liderança. De acordo com um levantamento da plataforma Vagas.com, apenas 5% das pessoas em cargos de alta liderança são negras no Brasil.

Daiane Almeida, team leader de startups digitais do Sebrae for Startups, reforça o cenário peculiar para os empreendedores negros no mercado de tecnologia. Isso porque, segundo Daiane, o perfil do empreendedor de startup que estampa capas de revistas é de um homem branco, hétero, cisgênero (pessoa que se identifica com o gênero que lhe foi atribuído ao nascimento), de classe média alta, que cursou uma faculdade de renome, com experiência na área corporativa, ou seja, uma situação que gera falta de pertencimento e afastamento das pessoas com histórias diferentes.

“A trajetória das pessoas negras é diferente e não há essa identificação de se enxergar como um empreendedor de startup. E, por outro lado, acessar investimento ainda é difícil. Eles ficam em um limbo, com necessidades específicas e caracterizando uma situação muito solitária”, afirma Daiane, que foi responsável pelo desenho e execução do programa.

Por conta desse cenário, o programa do Sebrae for Startups foi formatado para trazer mais diversidade ao ecossistema de inovação paulista e focou em negócios em fase de validação. Isso porque os programas existentes no mercado buscam modelos de negócios já validados, com faturamento, com sócio e dedicação integral.

O programa reuniu 20 startups do Estado de São Paulo e serviu como um projeto piloto para entender horários e modelos de acompanhamento que faziam sentido para esse público. Foram realizados 18 encontros nas chamadas “bordas do dia” – quartas à noite e aos sábados. A ação contou com 34 mentores, palestrantes e gestores de acompanhamento. Todos negros.

“O programa gerou uma situação de pertencimento, dos empreendedores se entreolharem e verem que não estão sozinhos, que é possível sim fazer parte do ecossistema. Hoje, eles se posicionam como startup”, conta Daiane, que prepara novas ações para 2023.

Diferentemente de outros programas, Daiane destaca que o Black Start não focou apenas no negócio. “Entendemos que precisávamos transformar o empreendedor para ele transformar o seu negócio”, diz. Para isso, também foram trabalhadas as soft skills, como autoconfiança, liderança, comunicação, trabalho em equipe, tomada de decisão e curiosidade.

IMPACTO

Para Hulda Rode, fundadora da Escreva, o programa do Sebrae foi um divisor de águas e serviu para acelerar um sonho, já que a marca tem em sua essência acolher pessoas, valorizar histórias e gerar influência e autoridade na carreira, aumentar a remuneração e gerar novos negócios.

A empreendedora relata que o Black Start trouxe uma força de união de comunidades. Isso porque ela e o sócio Guilherme Vicente de Morais são negros, e filhos, netos e bisnetos de pessoas negras. Além disso, uma grande parte da equipe da Escreva é negra, e 60% dos novos autores que escrevem são pessoas negras, mulheres, pessoas idosas, e pessoas com deficiência ou diagnóstico de doenças raras. “Tudo isso permite sentir-se em casa e ser acolhido em questões e dilemas que só quem é negro compreende a realidade do Brasil”, afirma Hulda.

A Escreva tem a proposta de ser a casa editorial do novo autor, que dá acesso ao mercado editorial para pessoas eternizarem suas histórias, descobrirem novos mercados e aumentarem sua renda por meio de projetos literários. É como se fosse um hub que conecta pessoas que irão escrever o primeiro livro por meio de uma jornada de desenvolvimento e acompanhamento, dentro de um espaço que promove o conhecimento e o acolhimento às pessoas que sonham em se tornar autores de obras literárias, mas que não sabem por onde começar.

“A nossa participação trouxe consciência da empresa que idealizamos, da demanda de mercado existente e do trabalho que estamos desenvolvendo no Brasil, mesmo com os desafios que enfrentaremos em cada estágio”, diz Hulda. A Escreva começou o programa com cinco autores e encerrou 2022 com 100 novos e 12 livros publicados.

A Complete Magazine, fundada por Caíque Nucci, também apresentou uma evolução durante o programa. A startup conseguiu se conectar com o ecossistema de inovação, por meio das mentorias, palestras e eventos, ações fundamentais para adiantar uma série de processos da construção do produto e conquista de clientes. “Existir um programa focado em auxiliar empreendedores negros no mercado de inovação é crucial para continuar evoluindo”, diz.

A startup é uma revista “phygital” (física e digital). Nucci explica que não poderia criar apenas uma revista online com conteúdo editorial, mas precisava pensar em novos formatos e algo inovador. “Nós somos uma startup e nos posicionamos assim. Utilizamos novas tecnologias web 3.0, como realidade aumentada, NFT e blockchain para comunicar de formas instigantes, por meio de narrativas visuais, a mensagem que a marca deseja passar”, diz.

A startup segue com o desenvolvimento da tecnologia para lançar a versão beta do WebApp – uma plataforma onde o leitor poderá ter acesso rápido e visualização interativa de editoriais de moda, beleza, casa e decoração, além de acompanhar o bastidor criativo, conectar-se com profissionais do mercado como modelos, maquiadores, stylists, fotógrafos e set designers, ver e provar os produtos que estão na foto com realidade aumentada e ganhar pontos conforme utiliza a plataforma, para trocar por benefícios exclusivos e NFTs.

“Acredito que os maiores desafios que enfrentamos foi de acesso ao ecossistema de inovação, mas conseguimos entender rapidamente como nos movimentar para furar algumas bolhas”, afirma Nucci.

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